quarta-feira, 29 de junho de 2011

Desconstruindo Wilt

"Mais um rebote pra minha coleção, qual o problema?"


Bom, com o fim da temporada regular, e o draft terminado, é hora de publicar alguns textos que vinha pensando durante os playoffs.

Um que eu já estava há um tempo para publicar é sobre o grande Wilt Chamberlain. Muitas coisas sempre me intrigaram no que diz respeito a ele: ouvia sempre dizer que era um dos melhores de todos os tempos, ótimo jogador, pivô mais dominante do seu tempo (ou de todos os tempos), etc. etc.

Outra coisa extremamente assustadora são seus recordes pessoais: MVP e Rookie da temporada já em seu primeiro ano na liga (única vez em que isso ocorreu); 100 pontos em 1 único jogo (o segundo colocado é Kobe Bryant, com 81 pontos - o 3o, 4o e 5o maiores placares também são de Wilt); média superior a 50 pontos por jogo em uma temporada (maior média de todos os tempos - a 2a, 3a, 5a e 7a também são dele); 11 vezes o líder em rebotes por jogo na liga; 55 rebotes conseguidos em 1 único jogo; as 3 maiores médias de rebote por jogo em uma temporada são dele (6 das 7 primeiras também); fez 60 pontos ou mais em 32 jogos (em segundo vem Michael Jordan e Kobe Bryant, empatados com 5).

Poderia ficar aqui, sem brincadeiras, utilizando umas 100 linhas do blog só pra falar dos recordes e marcas inacreditáveis alcançados pelo cara (outro exemplo: é o segundo com maior média de pontos por jogo na carreira, colado no líder Michael Jordan). Enfim; ouvindo e lendo tantos feitos, tanta supremacia e dominação nas quadras, dava pra imaginar que o cara era o super-homem, né?

Mas aí, lendo mais sobre a história da liga (uma ótima fonte é o livro do Bill Simmons, "The Book of Basketball", excelente), outros dados me deixavam curioso: na lista dos melhores jogadores de todos os tempos, quase sempre ele aparecia entre o 3o e o 8o lugares. Com um curriculum desses, não era pra estar disputando o primeiro lugar com o Jordan? Além de outros fatores que seriam de se esperar de um fenômeno desses: ele não deveria ter, então, uns 8 de MVP da temporada? Não deveria ter uns 8 ou 10 títulos de campeão? Lembrando que foram 14 as temporadas disputadas por Will "The Big Dipper" Chamberlain.

Pois então: Wilt ganhou o título de MVP da temporada 4 vezes (o líder é Kareem Abdul-Jabbar, com 6; Jordan e Bill Russell tem 5 cada); foi campeão 2 vezes (Russell foi campeão 11 vezes; Sam Jones, 10; para citar jogadores mais recentes, Kobe Bryant foi 5 vezes; Shaquille O'Neal e Tim Duncan tem 4 títulos; Pau Gasol tem os mesmos 2, e muitos anos pela frente).

O que fica escancarado é a pequena quantidade de anéis de campeão que Chamberlain tem, em comparação com seus recordes. Fica a questão: por que Wilt só conseguiu 2 títulos em 14 anos de domínio na liga? E por que seus recordes individuais são tão impressionantes, se comparados com qualquer outro jogador de qualquer época?

Famosa foto tirada logo depois do jogo dos 100 pontos, em março de 62


Talvez a resposta para as duas questões seja a mesma: o que Wilt buscava num jogo de basquete era a sua glória pessoal, seus recordes. Era o típico jogador individualista, que exigia ser o centro do time, e que ofendia companheiros que não lhe passavam a bola ou erravam um lance: estavam "estragando" sua performance. Ele simplesmente não conseguia entender que o basquete é um jogo coletivo, e que um homem só jamais vai conseguir vencer.

(Lembrando que isso tudo foi, muitos anos mais tarde, admitido pelo próprio Chamberlain em seu livro "Wilt: Just Like Any Other 7-Foot Black Millionaire Who Lives Next Door.")

Somando-se a esse seu egoísmo em quadra e má-vontade com os companheiros (que acabava desagregando o grupo - alguém se lembra de algum outro astro da NBA que tenha sido oferecido pra vários outros times, em seu auge, sem contusões, e sem que fosse a seu pedido? Isso aconteceu 2 vezes a Wilt, em San Francisco e Philadelphia), outras coisas atrapalhavam suas equipes.

Por exemplo: Wilt tinha um aproveitamento ruim de lance-livre, como é comum a muitos pivôs, até hoje em dia. Por causa disso, costumava "se esconder" de jogos equilibrados nos minutos finais para não sofrer a falta. Assim, não erraria lances livres e não seria responsável pela derrota do time. Mesmo que ele fosse a melhor chance de vitória que o time tinha.

Outra: Wilt, quando cometia a 4a ou 5a falta, sumia do jogo. Ele queria (e conseguiu) encerrar a carreira sem nenhum "foul-out". Com isso, o time ficava com praticamente um jogador a menos nesses finais de jogo, pois o pivô não fazia nenhuma questão de marcar ou ter contato físico para evitar a suspensão.

Ou seja, no momento final do jogo, o clutch-time, Wilt tinha a tendência a cair de produção drasticamente. Que time pode ser vencedor com alguém que cai de produção justamente na hora H? E cujo astro, além de ser extremamente individualista, conseguia baixar a moral do elenco, ao invés de melhorá-la? Era o oposto de Bill Russell, o outro grande pivô da época, que crescia no clutch-time, e que fazia seus companheiros jogarem melhor.

Wilt e seu rival, Bill Russell, prontos para disputar um rebote


Falando em Russell: algumas pessoas alegam que o pivô não foi campeão mais vezes porque teve, na mesma época, o timaço do Boston, que foi campeão 11 vezes em 13 anos. Isso também não reflete a realidade: Wilt teve o time super campeão de Boston como rival durante os primeiros 10 anos de sua carreira. Desses 10, ele esteve em times inferiores 5 vezes (de 60 a 64, antes de Wilt sair dos Warriors e ir para os 76ers). Em 65, pode-se dizer que os times se equivaliam, e de 66 a 69 o time dos Celtics já estava se desfazendo, enquanto Wilt estava com uma equipe mais forte ao seu redor (os 76ers e, posteriormente, os Lakers). E continuou tendo uma equipe melhor até sua aposentadoria.

E como explicar seus recordes absurdos? Apenas ser individualista não basta, provavelmente haviam vários outros jogadores individualistas nas outras equipes. É claro que Wilt tinha um talento absurdo, foi de fato um dos 10 melhores jogadores de todos os tempos, isso é inegável. Mas, além disso, outros fatores contribuíram.

Na época em que Wilt e Russell jogavam, a liga tinha uma maioria de jogadores brancos. Ainda era forte a questão racial nos EUA (e no mundo todo), e muitos times ainda relutavam em aceitar jogadores negros em suas equipes. Com isso, o nível da liga, tanto técnico quanto físico, era mais baixo.
Na realidade, de acordo com texto do The Classic NBA, apenas outros 3 jogadores se aproximavam da altura de Chamberlain (2,16 metros): Bill Russell, (2,10m), Walt Bellamy (2,11m) e Walter Dukes (2,13m) . Além disso, não era comum jogadores de fora dos Estados Unidos jogarem na NBA. Ou seja:  com dominância física aliada ao seu talento, já é um ótimo começo.

Agora, na boa: você consegue imaginar a NBA de hoje em dia sem os jogadores estrangeiros, e com apenas 20% dos jogadores negros? O nível cairia um bocado, né?

Além disso, temos a quantidade absurda de posses de bola da época. Na primeira metade dos anos 60, era normal os times fazerem 108, 110 arremessos por jogo. Era recuperar a bola, e já arremessar! Hoje em dia, mal passam de 80. No ano em que teve média de 50.4 pontos (61-62), Wilt arremessava praticamente 40 bolas por partida! O número de rebotes, consequentemente, era altíssimo, superando 72 por jogo muitas vezes. Hoje em dia, mal chega a 40.

Agora, vamos tentar uma simulação do período de maior estatística do Chamberlain com o melhor período de outro pivô dominante recente, Shaquille O'Neal.

Médias de Wilt Chamberlain no período de 60 a 66 (7 temporadas):
41.4 minutos    34.5 pontos    21.8 rebotes     31.1 arremessos   58% field goal

Médias de Shaquile O'Neal no período de 94 a 2000 (7 temporadas):
37.7 minutos    28.2 pontos    12.1 rebotes      19.7 arremessos    51% field goal

Se igualarmos a média de minutos, teremos:

Wilt:  34 pontos  21.5 rebotes
Shaq: 30 pontos  13 rebotes

Amplamente favorável a Wilt. Mas, imaginemos que Shaq jogasse sem precisar enfrentar nenhum dos astros estrangeiros que vem se destacando na liga (ou seja, sem Dirk Nowitzki, Dikembe Mutombo, Tim Duncan, Hakeem Olajuwon, Dominique Wilkins, Drazen Petrovic, Patrick Ewing, etc.). Além disso, imaginemos como seria Shaq enfrentando 80% a menos de jogadores negros; ou seja, jogando contra americanos brancos de menor estatura e porte atlético! Acho que os 30-13 de média mencionados acima subiriam bastante, não? Vamos colocar, por exemplo, 35-17, ok?

Agora, o tipo de jogo. Como mencionado acima, nos anos 60 a quantidade de posses de bola, arremessos e rebotes era próxima do dobro do que era nos anos 90 e 2000. Imaginemos que Shaq, ao invés de arremessar 20 bolas por jogo (que era sua média no período de tempo analisado), arremessasse 30, como Wilt. Mantendo seu % de field goal (em vista dos adversários bem mais fracos que enfrentaria, descritos no parágrafo anterior), ele ficaria na média de 40 a 45 pontos por jogo nessas 7 temporadas. Wilt atingiu essa média apenas 2 vezes, e quando as atingiu, arremessava não 30 bolas por jogo, mas 39.5 (em 61-62) e 34.6 (em 62-63).

Três pivôs espetaculares, pensando diferente

Não estou querendo dizer que Shaq foi melhor que Wilt. Considero Chamberlain o 3o maior pivô de todos os tempos (atrás de Russell e Jabbar), e, de fato, dominou a NBA durante sua época. A questão era achar uma explicação para essa aparente contradição: de um lado, jogador espetacular nas marcas, o rei dos recordes da NBA, super dominante em quadra; de outro, jogador de "apenas" 2 títulos, negociado 2 vezes espontaneamente por suas equipes, e não reconhecido por seus colegas.

Como Bill Russell dizia muitos anos depois: "Wilt queria ter todos os recordes; eu só queria ser campeão".


P.S.: enquanto rolavam os playoffs e esse post estava "meio na cabeça, meio no computador", o The Classic NBA escreveu um texto parecido, só que ainda mais amplo, falando em geral dos recordes da NBA nos anos 60. Como lá saiu primeiro, dou o crédito, e recomendo altamente a leitura, nesse link.

2 comentários:

Danilo disse...

Acho que se ele vivesse hoje e comesse as porcarias que comemos hoje ele teria uma altura absurda e seria o jogador fisicamente mais impressionante da liga. A altura dele deveria estar entre o Shaq e o Yao, mas com muito mais mobilidade e velocidade que eles.

Acredito que o físico dele seria o mais impressionante de toda a história da NBA em qualquer momento histórico.

Eu li lá no theclassicnba e parece ser claro que o Wilt era melhor que o Russel. A diferença era fora de quadra, comportamento, títulos... no talento acho que o Wilt foi sim o melhor pivô da história.

Arthur Engel disse...

Mas a questão vai além de talento, eu acho. Toda eleição de "quem é melhor" é sempre bastante polêmica.
Ao invés de pensar em "quem tinha mais talento" (que é bastante difícil de medir), prefiro pensar em quem eu escolheria pra ser o pivô do meu time dos sonhos se a minha vida dependesse de uma vitória minha, hehehehe.
Eu ficaria numa extrema dificuldade de escolher entre Russell e Jabbar, só pq acho os 2 mais efetivos em quadra. Nesse ponto concordo com o Bill Simmons no livro dele, que aliás é excelente.
Mas o debate é bom mesmo, os 3 foram pivôs espetaculares.

E aí dá pra ter outras questões, tipo: tirando esses 3, qual o melhor pivô, Shaq ou Hakeem? Um abraço!